quinta-feira, 30 de julho de 2009

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A matéria abaixo foi publicada em 2006, no jornal Estado de S.Paulo, com autoria do respeitadíssimo jornalista Jamil Chade.

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BRASIL NÃO COMBATE RACISMO COMO DEVERIA, DIZ ONU

GENEBRA - A Organização das Nações Unidas (ONU) criticou no início do mês, por meio de um documento, as políticas nacionais brasileiras de combate ao racismo e à demora na demarcação de terras indígenas. Ao atacar o racismo, a ONU alerta que o problema ainda está profundamente enraizado no Brasil e denuncia o fato de que partes do aparelho de Estado, Judiciário e mesmo a sociedade civil resistem a medidas de combate ao racismo.

Essas são algumas das conclusões do relatório feito pelas Nações Unidas sobre a situação da discriminação no País. Apesar de elogiar o fato de o governo reconhecer a existência do problema, a ONU alerta que as declarações ainda não se traduziram em mudanças concretas. Por isso, faz cerca de 35 recomendações sobre como superar a questão.

“Viajar pelo Brasil é como mover-se entre dois planetas: um das ruas com cores vivas e raças misturadas e outro dos corredores brancos dos poderes político, social, econômico e da mídia”, afirmou o autor do relatório, o senegalês Doudou Diène, que esteve no Brasil em outubro de 2005 para investigar o racismo. Para ele, é chocante a presença ainda tímida de negros em cargos administrativos. Nos bancos, por exemplo, apenas 10,8% dos funcionários são negros.

“Há coisas muito graves ocorrendo no Brasil”, afirmou o especialista. O documento será apresentado aos demais países membros da ONU. O relator identifica o racismo como uma conseqüência e um legado do período da escravidão. “Afeta profundamente a estrutura da sociedade brasileira”, afirma o documento. Diène acredita que uma mudança de mentalidade ainda será difícil, principalmente por causa da ideologia da democracia racial ou do fato de muitos acreditarem que as discriminações no Brasil são apenas econômicas.

“Democracia racial é a máscara ideológica da elite brasileira para não dizer que há racismo”, critica o relator. Segundo ele, enquanto persistir a idéia de que a discriminação é só econômica, a implementação de leis de combate ficará difícil. “A discriminação, exploração e marginalização continuam hoje”, afirma o especialista.
Ele lembra que 47% dos negros vivem abaixo da linha da pobreza, contra uma taxa de 22% entre os brancos. Toda a sociedade está organizada a partir de uma perspectiva racista: os negros são excluídos de todos os setores da sociedade e confinados aos trabalhos difíceis, com baixos salários e direitos básicos, incluindo à vida, sendo violados”, alerta o documento.

Um dos pontos que mais chamam a atenção da ONU é a violência contra os negros. Diène aponta que 631 negros foram assassinatos em Salvador nos oito primeiros meses de 2005, um aumento de 19% em relação a 2004. “Uma política de extermínio ainda existe. Os negros não se sentem protegidos pelas autoridades públicas e são confundidos com traficantes de drogas e criminosos.”

A impunidade estaria no centro da preocupação da entidade. “Os jovens estão nas mãos de traficantes e a polícia não os protegem. Ao contrário, os mata. Os negros são criminalizados”, aponta o relatório. A pobreza da população negra também seria outra prova do racismo.

Segundo o documento, mais da metade dessa parcela da população vive abaixo da linha da pobreza, sem saúde e com um nível de analfabetismo “inaceitavelmente alto”.
As mulheres negras vivem uma situação ainda mais delicada: ganham 40% dos salários pagos a um homem branco.

Um quinto delas é trabalhadora doméstica, das quais 17% nem sequer recebem pelo trabalho. Para Diène, há ainda “uma apropriação indevida da cultura”, com a manipulação das manifestações artísticas para objetivos comerciais, como o Carnaval, que “virou um espetáculo para brancos”.

Imigrantes
O relatório ressalta que a discriminação não ocorre apenas contra negros. Segundo a ONU, o Brasil precisa treinar seus agentes de fronteiras para respeitarem os direitos de refugiados e imigrantes.

Quanto à imigração latino-americana em São Paulo, que chegaria a 150 mil, Diène destaca que são alvos de discriminação, vivem com medo da polícia e não conseguem ter acesso à saúde e educação. Para que uma família seja legalizada, os custos exigiriam, em alguns casos, o salário de todo um ano.

Recomendações
Para tentar lidar com a realidade brasileira, a ONU enumerou mais de 35 recomendações. Uma delas prevê a criação de uma comissão de reconciliação e verdade sobre o racismo, além de destinar mais recursos para programas de combate à discriminação.

Diène ainda pede que medidas sejam tomadas para lidar com a violência e o treinamento de procuradores e juízes especializados na questão racial. “O Judiciário é muito conservador e com preconceitos raciais”, afirma. As recomendações também falam na inclusão de classes de história da África nas escolas, a criação de um memorial para as vítimas da escravidão e ações para garantir o acesso dos negros às universidades. 

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