quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Raça X Nacionalidade (2)


*Depois de darmos um breve panorama sobre a nossa visão racismo & xenofobia no post "Raça X Nacionalidade", hoje iremos um pouco mais fundo na questão, usando, para isso, a lei federal.

A imprensa brasileira (a esportiva em especial) apresenta sérios problemas de “conveniência escancarada”: quando trata-se de um assunto simples, mas que distorcido torna-se catastrófico, os meios de comunicação não tem pudores em mudar o rumo das coisas, para angariar audiência, polêmica, e outras más intenções, como xenofobia, por exemplo, influenciando indireta e diretamente seu público fiel, que também por conveniência se torna cego, surdo e mudo; em contrapartida, quando lhe é conveniente tem olhos e ouvidos aguçados - até demais.
Infelizmente, pessoas inocentes, usadas como “material de foco” em falcatruas midiáticas, estão pagando caro a “moeda” dos interesses financeiros, das falsas polêmicas, verdadeiras tempestades criadas em cima de um copo d’água que nem sabemos se estava cheio ou se chegou a existir.

Precisamos ter muito cuidado ao analisar certos tipos de informação, principalmente quando se trata de uma coisa muito séria como o racismo; e como aqui o nosso foco principal é o futebol sob o manto da rivalidade entre Brasil e Argentina, mostrando que o “lado verde-amarelo” não usa auréola, vamos a ele.

O racismo é digno de repúdio (por todos nós) pela Constituição Federal:

Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
I - independência nacional;
II - prevalência dos direitos humanos;
III - autodeterminação dos povos;
IV - não-intervenção;
V - igualdade entre os Estados;
VI - defesa da paz;
VII - solução pacífica dos conflitos;
VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X - concessão de asilo político.


Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Infelizmente nem todos colocam isso em prática: usa-se, de certa forma, o campo de futebol para esta prática, e conhecemos centenas de casos; porém, é preciso saber separar o que faz parte dos erros do futebol (o que também não se justifica), e o que se define e qualifica como prático e verdadeiro.

É comum no Brasil se fazer acusações, julgar, condenar alguém, antes mesmo que seja apurado o que de fato ocorreu. Essa é uma tradição brasileira, e logo podemos pensar que em dado momento o assunto “Argentina” cairá sobre os ombros, e tem caído tanto... (Fica a pergunta: o termo tão usado, “um argentino”, não dá idéia de repúdio aos nossos irmãos?)

Esse termo tem caído de tal forma, usado pela imprensa, que as pessoas ficam com os sentidos aguçados quando se trata de acusar alguém, de causar uma polêmica, e se esse “certo alguém” (Lulu Santos) for um Argentino, aí o brasileiro adora...

Claro que há exceções, mas a maioria nem se dá a oportunidade de pesquisar e apurar os fatos, pelo contrário: opta pela comodidade e, porque não, pela inocência (é...) e pela falta de informação. Ao contrário da maioria, nós aqui procuramos esclarecer as coisas, e prezamos a justiça acima de tudo; então, antes de mergulharmos nos casos de tango&samba, vejamos algumas definições fundamentais, trazidas pelo advogado Ricardo Canguçu Barroso de Queiroz (GO), explicando as diferenças entre "calúnia", "difamação" e "injúria":

1.Calúnia: consiste em atribuir, falsamente, à alguém a responsabilidade pela prática de um fato determinado definido como crime. Na jurisprudência temos: “a calúnia pede dolo específico e exige três requisitos: imputação de um fato + qualificado como crime + falsidade da imputação” (RT 483/371). Assim, se “A” dizer que “B” roubou a moto de “C”, sendo tal imputação verdadeira, não constitui crime de calúnia.

2.Difamação: consiste em atribuir à alguém fato determinado ofensivo à sua reputação. Assim, se “A” diz que “B” foi trabalhar embriagado semana passada, constitui crime de difamação.

3.Injúria: consiste em atribuir à alguém qualidade negativa, que ofenda sua dignidade ou decoro . Assim, se “A” chama “B” de ladrão, imbecil, etc., constitui crime de injúria.

A calúnia se aproxima da difamação por atingirem a honra objetiva de alguém, por meio da imputação de um fato, por se consumarem quando terceiros tomarem conhecimento de tal imputação e por permitirem a retratação total, até a sentença de 1ª Instância, do querelado (como a lei se refere apenas a querelado, a retratação somente gera efeitos nos crimes de calúnia e difamação que se apurem mediante queixa, assim, quando a ação for pública, como no caso de ofensa contra funcionário público, a retração não gera efeito algum).

Porém, se diferenciam pelo fato da calúnia exigir que a imputação do fato seja falsa e, além disso, que este seja definido como crime, o que não ocorre na difamação. Assim, se “A” diz que “B” foi trabalhar embriagado semana passada, pouco importa se tal fato é verdadeiro ou não, afinal, o legislador quis deixar claro que as pessoas não devem fazer comentários com outros acerca de fatos desabonadores de que tenham conhecimento sobre essa ou aquela pessoa. Da mesma forma, se “A” diz que “B” roubou a moto de “C” e tal fato realmente ocorreu o crime de calúnia não existe, pois o fato é atípico.


A difamação se distingue da injúria, pois a primeira é a imputação à alguém de fato determinado, ofensivo à sua reputação – honra objetiva, e se consuma, quando um terceiro toma conhecimento do fato, diferentemente da segunda em que não se imputa fato, mas qualidade negativa, que ofende a dignidade ou o decoro de alguém – honra subjetiva, além de se consumar com o simples conhecimento da vítima.

Na jurisprudência temos: “na difamação há afirmativa de fato determinado, na injúria há palavras vagas e imprecisas” (RT 498/316). Assim, se “A” diz que “B” é ladrão, estando ambos sozinhos dentro de uma sala, não há necessidade de que alguém tenha escutado e consequentemente tomado conhecimento do fato para se constituir crime de injúria.

O craque Tostão defende aqui (e nós também) o combate do racismo por leis específicas, e de fato esse combate já existe, na codificação; mas é colocado em prática? A partir disso, Tostão mostra que não, e exemplifica com “as coisas do jogo”, não deixando de lembrar que continua sendo racismo, mas que no calor de uma partida de futebol muita coisa acontece, pois tem emoção envolvida, e não é esse o objetivo do esporte.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;

No “caso Grafite” se caracterizou muito mais o calor da partida”, e então podemos classificar por injúria, correto?

No mais recente caso, Maxi Lopez-Eli Carlos (onde tivemos a colaboração de uma mídia negligente ou mal-intencionada, xenofobia, pré-julgamentos) preocupou-se logo em condenar o argentino, antes de mais nada, chamando-o de racista; no entanto, a mídia não mostrou ao “Brazil” (e ele também não quis ver) que em caso de culpa, até que se prove, Maxi Lopez é inocente, segundo a nossa Carta Magna:

LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória:

Sendo culpado, não se caracteriza de forma alguma o crime de racismo, como nos trouxe Rodrigo Barros Oliveira, no blog do Jornalista Juca Kfouri. Grifamos: "Tem-se observado é que, nós, brasileiros, somos muito mais racistas com eles, os argentinos, nesses episódios, do que os comportamentos a eles atribuídos, muito embora sejam censuráveis.


Porque temos tratado esses casos com tremenda desproporção lhes atribuindo falsos crimes, além de tratamentos severos na condução dos agentes às delegacias coercitivamente após as partidas, algo que é indevido nos casos de ação penal privada como os crimes de injúria".


Os crimes de racismo estão previstos na lei 7.716/89, de 5 de janeiro de 1989, e define o seguinte:
Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (nova redação dada pela Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997)

Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Ele também mostra que em caso de culpa, Maxi se enquadra no crime de injúria qualificada, mas nunca de racismo. O jornalista Mauro Betting segue a mesma linha de pensamento (aqui), tanto sobre xenofobia, quanto sobre crime.

A Injúria Qualificada: depreende do artigo 140 do Código Penal, e consiste em ofender e/ou insultar alguém. O bem jurídico tutelado é a honra subjetiva da vítima, uma vez que o referido insulto macula a própria estima da pessoa, ferindo-a no conceito que faz de si própria.

Aí, temos também a qualificadora do § 3 - "Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem". Ironicamente, não percebemos que se o jogador do Cruzeiro ofendeu o Maxi Lopes, utilizando-se de elementos relativos a sua origem (argentino), o crime é o mesmo...

Uma boa solução para isso é que de uma vez por todas a imprensa ajude a esclarecer os fatos, não incite ainda mais o ódio dos brasileiros em relação aos argentinos, e que as pessoas procurem a verdade, antes de tomar determinadas posições, pois a paixão pelo futebol é algo fundamental. mas infelizmente essa beleza de esporte está sendo usada como máscara, como mera desculpa para agredir outros, ainda que desprezíveis os atos.

Curiosamente, ao lançar epítetos ("argentino racista", "covarde", "arrogante", etc) aos oriundos do país vizinho, é justamente o povo brasileiro que consegue o posto de (mais) preconceituoso. Seria como alguém dissesse que "os brasileiros são racistas" só porque o jogador Antônio Carlos realizou aqueles gestos...

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