segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Muito Além do Futebol... (9)

Algo de estranho acontece no Brasil. A relação compensatória do esporte (i.e. futebol) no cotidiano popular é incrível. Vamos fazer três pincelagens de momentos históricos nessa relação.

Momento 1: 1958 - O esporte como "reprodução" da realidade

Aqui é quando o Brasil passou a se tornar uma "Potência do esporte mundial", e tinha-se a ideia de que as coisas estavam dando certo. Juscelino e seus "50 anos em 5", a indústria automobilística e a construção de Brasília davam a impressão de que realmente o Brasil era o maior do mundo. Mas não apenas na economia tinha-se essa impressão: no esporte também.

O Brasil conquistava em 1958 seu primeiro título na Copa do Mundo de futebol. No ano seguinte, vencia o mundial de Basquete e, nesse meio tempo, Maria Esther Bueno vencia torneios em Wimbledon e outros Grand Slams enquanto o Santos se tornava "bicampeão mundial interclubes". Para coroar essa saga, em 1962 a seleção nacional de futebol trazia o bicampeonato do Chile.

Começava-se a olhar para o esporte como um retrato da população. Se "nós" vencíamos, quem gahava era também a população, afinal de contas você é brasileiro, igualzinho Pelé, Maria Esther e Wlamir Marques. Como disse Nelson Rodrigues em crônica da época, "o brasileiro tem de si mesmo uma nova imagem. Ele já se vê na totalidade de suas imensas virtudes pessoais e humanas".

A eliminação logo na primeira fase em 1966 não tem grandes efeitos, pois podia-se dizer que "os times europeus foram violentos". E o auge aconteceu na copa de 1970: a ditadura militar usando o time como símbolo, e canções no estilo "Pra frente, Brasil" além do slogan "Ninguém segura este país" embalaram o sonho. Nesse mesmo ano, Emerson Fittipaldi conquistava a primeira vitória brasileira na Fórmula 1.



Até o início dos anos 80, o futebol deixou de encantar o povo brasileiro, com decepções nas copas de 1974 e 1978, e Fittipaldi, embora tenha sido campeão em 72 e 74, embarcaria no sonho de uma equipe brazuca de Fórmula 1 e jamais conseguiu um grande resultado na categoria. Aliado a tudo isso, a verdade sobre mortes e escândalos passava a surgir e o "milagre econômico" da ditadura dava mostras de sua ineficiência. Em 1979, pelo menos, a Anistia acontecia...

Era preciso renovação. Política e esportiva.

Momento 2: 1982 - O esporte como a grande (única?) esperança

No início dos anos 80, começava a se desenhar o fim da ditadura militar e, ainda que timidamente, havia novamente esperança no povo brasileiro. A década esportiva começa a ressurgir a partir do primeiro título de Nelson Piquet, 7 anos após a última conquista de Fittipaldi. No ano seguinte, a seleção brasileira vai à Espanha e exibe aquele que, para muitos, foi o futebol mais bonito da história do país.

No entanto, o espetáculo brazuca caiu diante da eficiência italiana, na famosa derrota por 3 a 2. O episódio seria para sempre conhecido como a "Tragédia de Sarriá" (nome do estádio espanhol). Mas a esperança haveria de se renovar...

Em 1983, Nelson Piquet torna-se bicampeão, e no ano seguinte surge Ayrton Senna, dirigindo um carro mediano e conseguindo resultados absolutamente surpreendentes na sua temporada de estreia. Foi no mesmo 1984 que surgiu o movimento "Diretas, Já!", que marcou definitivamente a fase dos sonhos.

No ano seguinte, a morte de Tancredo Neves antes de sua posse cobre com um manto de tristeza a população brasileira. Mas é justamente nesse contexto que Ayrton Senna começa a despontar no cenário mundial e na cultura do país: no MESMO dia em que se anunciava o falecimento de Tancredo, Senna vencia seu primeiro Grande Prêmio na F-1.

Em 1986, a seleção brasileira mantinha-se com a mesma qualidade da copa anterior (o técnico era o mesmo, Telê Santana, fato raro por aqui) e Senna e Piquet apareciam como grandes candidatos ao título da F-1. Além disso, o início do plano cruzado com José Sarney, dava a impressão de que, como diziam os balões na pista de Jacarepaguá, tudo iria "dar certo".



Os escândalos de corrupção e inflação no governo Sarney começam a aparecer e novamente a seleção de futebol é eliminada, mas cada vez mais a Fórmula 1 traz alegrias: Senna vence o GP de Detroit no dia SEGUINTE à derrota brasileira para a França em 86, Piquet é campeão do mundo em 1987, e Senna leva o título em 1988, 90 e 91 - ano em que obteve sua primeira vitória no GP do Brasil - com Piquet obtendo importantes vitórias no início da década.

De certa forma, as alegrias na F-1 substituíram as vitórias nos gramados quando, em 1990, mais uma vez o Brasil foi eliminado (dessa vez por Maradona, plantando a semente do que aconteceria pouco tempo depois). 1992 inicia-se com os graves problemas do governo Collor em meio ao ouro olímpico da seleção de vôlei, um prenúncio do que aconteceria nos anos 2000.

A morte de Senna em 1994 põe fim aos sonhos. Coincidentemente, acontece o tetra no futebol. Preparando-se para a vinda de FHC, pode-se dizer que aquela foi a última vez em que o país esteve envolvido e totalmente unido no âmbito esportivo.

Momento 3: 1998 - O esporte como recompensa. Ou vingança.

A morte de Senna não afetou apenas a carreira do piloto, mas deixou o Brasil órfão nas "manhãs de domingo". Até a primeira vitória de Barrichello, em 2000, foram quase sete anos sem que pilotos brasileiros conquistassem qualquer GP. A derrota vexatória na Copa do Mundo de 1998, levando 3x0 da anfitriã França, dá também início ao jeito "não são os outros que ganham, nós é que perdemos" de se pensar.

Teorias mirabolantes sobre uma possível venda da copa, em detrimento ao talento de craques como Zinedine Zidane, norteiam o pensamento da maioria da população, enquanto uma outra parcela, ainda tímida, passa a desgostar do modo como o esporte é conduzido no Brasil. É aqui que se acentuam os que torcem por outras seleções ou então por pilotos estrangeiros na F-1. Um exemplo: muitos torciam pela seleção brasileira ao mesmo tempo que por Schumacher, ou por Itália/Argentina/França e Barrichello.

Justamente nesse contexto, surge o primeiro grande tenista brasileiro desde Maria Esther Bueno: Gustavo Kuerten. Praticante de um esporte que nunca foi popular no Brasil, nato de um estado que não é um dos principais do país economicamente, e em meio à "Orfandade" da F-1, Guga traz algum resquício de "Vamos lá!".


Mas justamente pelo fato de requerer muitos investimentos financeiros, o tênis não conseguiu atingir o mesmo sucesso do automobilismo. Apesar disso, a ideia de "somos os melhores do mundo no futebol e no tênis" acontecia. Depois veio um surto de vitórias na ginástica e consequentemente "somos os melhores do mundo no futebol e na ginástica".

Em 2002, há uma esperança política no povo brasileiro que os faz eleger Lula, e no mesmo ano a seleção conquista o penta no futebol. Muitos comemoram, mas não houve nem metade da festa acontecida 8 anos antes, no tetra de 1994. Muitos dizem que é pelo fato de, naquela época, o Brasil não levantar a taça havia 24 anos. Pode ser, mas o entusiasmo já não é(ra) mais o mesmo.

Bernardinho, ex-técnico da seleção feminina, começa a ditar os passos do voleibol mundial masculino a partir de 2001, e aqui se pode dizer que, sim, o Brasil realmente foi e é o melhor no respectivo esporte. Mas, novamente, "somos os melhores do mundo no futebol e no vôlei".

Barrichello nunca conquistou o devido respeito pela população. O tênis e a ginástica foram sendo gradualmente esquecidos, notadamente o primeiro, pois a ginástica ainda tem "incentivos" (somente) em momentos como Pan-Americano e Olimpíadas - mas a cobrança em eventual derrota é SEMPRE dez vezes maior que o apoio.

2006 marca a reeleição de Lula apesar do maior escândalo político-financeiro da história do país: o Mensalão. Nesse mesmo ano, acontece uma das mais amargas derrotas da história do selecionado de futebol (novamente para a França) e a desculpa dessa vez é que "os jogadores não quiseram jogar", porque "nós SOMOS os melhores, sempre".


E foi ao longo de todo esse contexto no momento três - desde meados dos anos 90 - que se acentuou de modo drástico a necessidade de ter um rival "de sempre", alguém que pudesse alegrar o Brasil apesar de suas derrotas: a Argentina. Tornou-se tão importante quanto torcer pela vitória brasileira o "torcer contra" a Argentina.

Na copa de 2006, por exemplo, a Argentina foi eliminada na sexta-feira, e o Brasil no sábado. E o que mais se ouvia era: "o que importa é que a Argentina caiu antes".

2 comentários:

  1. PERFEITO!! NADA A ACRESCENTAR! O que eu disser vai estragar essa maravilha de texto, falou tudo! Só não vê quem não quiser!

    Parabéns, amei tudo, mas o final foi realmente lindo.

    "E foi ao longo de todo esse contexto no momento três - desde meados dos anos 90 - que se acentuou de modo drástico a necessidade de ter um rival "de sempre", alguém que pudesse alegrar o Brasil apesar de suas derrotas: a Argentina. Tornou-se tão importante quanto torcer pela vitória brasileira o "torcer contra" a Argentina.

    Na copa de 2006, por exemplo, a Argentina foi eliminada na sexta-feira, e o Brasil no sábado. E o que mais se ouvia era: 'o que importa é que a Argentina caiu antes'. "

    GENIAL!

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