sábado, 1 de maio de 2010

Duetos (18)


No Dia Mundial do Trabalho, que tal falarmos um pouquinho de história?...

As relações entre Brasil e Argentina são de conhecimento geral, comumente atribuídas à rivalidade. Felizmente não só a rivalidade e as coincidências histórico-culturais nutrem essa ligação: traremos um belo exemplo de relação entre os dois países, ressaltando as qualidades de ambos na área e demonstrando um respeito - estupendo - poucas vezes lembrado pelos veículos de comunicação e pelos peritos no assunto.

Entremos no tema, então.

A codificação é um movimento jurídico que surgiu no Ocidente no século XIX, dividindo-se em: Direito Ocidental (ou Direito codificado), que teve seu início no Código de Napoleão (Code Civil des Francais) e o sistema Common Law, também chamado de grupo Anglo-Americano. Apesar de datar pouco mais de um século, é conhecido desde a Antiguidade. A história do Direito se processa entre duas codificações: a Lei das XII Tábuas e o Corpus Juris de Justiniano. Até pouco tempo, o Código de Hamurabi era considerado a mais antiga codificação existente. Porém, outro código mais antigo foi descoberto em 1948, o Código de Ur-Namu. Na civilização européia, no século XVIII, ressurge o movimento codificador, só que dessa vez, não em códigos, mas em compilações (reunião de costumes). Por isso, o Código Napoleônico de 1804 é considerado o primeiro código moderno.

Código é a tendência de reunir em lei toda a matéria jurídica em regra. Vale ressaltar que muitos países pertencem ao sistema Common Law (Direito Comum, as decisões judiciais baseiam-se na tradição, nos costumes e no precedente). A codificação além de unificar o Direito, apresenta forma orgânica e sistemática em virtude de regras e princípios gerais.

A primeira codificação brasileira se deu com a Constituição Brasileira de 1824, onde eram previstos dois códigos: o Civil e o Criminal, onde apenas o segundo foi concretizado, ainda que, após a independência do Brasil vigorou a legislação Portuguesa.

Mas onde tudo isso faz ligação com nossos hermanos?

Falando no jurista baiano Dr. Augusto Teixeira de Freitas – considerado um dos maiores jurisconsultos sul-americanos em todos os tempos. Depois de tornar-se advogado famoso e ter sido presidente do Instituto dos Advogados, elaborou uma importantíssima obra – a sua maior -, a Consolidação das Leis Civis, depois de firmar um acordo com o governo imperial. Pelo êxito obtido, o imperador D. Pedro II pensou em adotar no império um Código Civil, celebrando um contrato com Teixeira de Freitas em 1859, onde o civilista deveria entregar o trabalho até dezembro de 1862.

Nesse trabalho, Freitas incluiu toda legislação Civil e ainda a parte regulada pelo Código Comercial. Com isso, o Esboço escrito até 1864, era formado de aproximadamente 5000 (4.908) artigos, o que acabou sendo alvo de muitas críticas e contestações, acabando com a rescisão do contrato. Passadas cinco décadas e inúmeras tentativas, no governo Campos Sales, Clóvis Beviláqua conseguiu ver aprovado pelos poderes Legislativo e Executivo seu projeto do Código Civil Brasileiro, diferentemente do Esboço de Teixeira de Freitas - somado a gigantesca obra, era trabalho de gênio! -, não foi incluída a parte referida ao Código Comercial.

Embora os juristas e legisladores brasileiros, na época, não terem dado a importância merecida, desde 1864, o brilhante jurista argentino (!) Dr. Dalmácio Velez Sarsfield, nascido em Amboy, Província de Córdoba – personalidade importantíssima na história do país vizinho, e que dá nome ao clube campeão mundial de 1994 -, trabalhava para redigir um projeto de redigir o Código Civil da República Argentina, tendo chegado-lhe às mãos o “Esboço” de Teixeira de Freitas que fora publicado em fascículos de 1860 à 1864. As idéias de Freitas de imediato arrebataram a Velez Sarsfield, que numa solidariedade sul-americana e se valendo da intercomunicação acentuada entre as nações, aproveitou para a sua obra não somente a forma estrutural do projeto, mas, principalmente, mais de 1.300 artigos que transcreveu dentro de sua monumental realização

Sarsfield, em carta ao Ministro da Justiça de seu país, em 1865, encaminhando o projeto, afirma textualmente a serventia: “sobretodo del proyeto del Código Civil que está trabajando para el Brasil, el Señor Freitas del qual he tomado muchisimos artículos”. Ainda esclarece Dalmácio: “yo he seguido el método tan discutido por el sábio jurisconsulto brasileño en su extensa e doctísima introducción a la recopilación de las leyes del Brasil”. A influência do projeto e de suas notas na legislação privada argentina foi tão grande que este mereceu diversas edições no final do século XIX e no começo do século XX no país, enquanto que no Brasil só apareceu no ano de 1952 a edição de todos os fascículos do trabalho de Freitas.

Na obra de Alberto Spota, jurista argentino que publicou o “Tratado de Derecho Civil” (1948), o tratadista argentino comenta tanto os artigos do Código Civil como os correspondentes da obra de Freitas, demonstrando a origem da norma jurídica argentina e o porquê da introdução naquela lei. Seus comentários não se cingem apenas à norma ali estabelecida, fazendo referências também às notas de roda-pé do “Esboço” de Teixeira de Freitas, notas explicativas e interpretativas do artigo.

O professor Guilherme L. Allende, catedrático de Direito Civil da Universidade de Buenos Aires, falando sobre Freitas:

“(...) lá, a longínqua e altíssima Belém, mais próximas e mais terrenas, Yapeyu, Amboy... Cachoeira pode dizer a orgulhosas cidades americanas: Não tenho tuas universidades, mas, em compensação, aqui nasceu Freitas, que vale – quem sabe – por muitas universidades. E elas inclinam a fronte .E como deixar de incliná-la, se o seu nome representa o gênio jurídico em toda a sua magnitude e esplendor? Tanto assim que se, ao invés de no século XIX, houvesse nascido nos primórdios da nossa era, e os homens do Lácio tivessem conhecido seu pensamento, da lei de Citas não teriam constado cinco nomes, senão seis. A orgulhosa e altiva Europa, a quem tanto devemos, deve, porém, olhar mais para a América Latina; deve aprender, por exemplo, que desde a queda do Império Romano, apesar dos séculos transcorridos, ela não produziu um gênio jurídico maior que Freitas, e que, para igualá-lo, precisou misturar sangue alemão e francês em solo alemão...”

(Placa inaugurada na cidade de Cachoeira, Bahia, em 27 de novembro de 1977, no Fórum, antiga casa de Teixeira de Freitas).

Assim, mais uma vez é demonstrado o respeito e a admiração de um país pelo outro, reconhecendo a genialidade de muitos dos seus personagens mais importantes, capazes de mudar rumos históricos, ainda que diariamente queiram reduzir a importância das duas nações a uma bola.

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