terça-feira, 20 de julho de 2010

Raça X Nacionalidade (29)


Há muito tempo, no Brasil, criou-se uma regra social (um costume), onde obrigatoriamente todo brasileiro deve apoiar e incentivar a seleção brasileira de futebol em Copa do Mundo, gostando ou não de futebol, aprovando ou não as atitudes de bastidores (falamos especialmente de Globo, CBF e João Havelange), concordando ou não com esse interesse patriótico momentâneo por parte das pessoas, que pintam casas, carros, comércio e crianças, bandeiras do Brasil e verde-amarelo por toda parte, apenas em Copa do Mundo.

Ainda que também tenha se criado o costume de odiar os argentinos e quem os admira, ninguém possui o direito de ditar os ideais do próximo, mesmo que esse fato agrade a maioria, afinal, os grandes interesses sociais são a paz e a harmonia, e não a proliferação de conflitos para satisfazer uma massa devastadora da liberdade.

Abismados por testemunhar (e, às vezes, sofrer) essas experiências de atitudes deploráveis ocasionadas em nome do falso-patriotismo entoado durante longos 30 dias do período de Copa, trazemos uma questão de âmbito crítico e informativo.

Partindo de inúmeros casos concretos de discriminação e violência contra brasileiros torcedores da seleção argentina – casos preocupantes em locais púbicos, pessoas agredidas nas ruas -, impulsionamo-nos a discutir um assunto de extrema importância: terão os agressores (esmagadora maioria de brasileiros), noção de que as ofensas físicas e morais proferidas à argentinos e brasileiros simpatizantes da cultura argentina, são crimes previstos na legislação brasileira?

Afinal, o brasileiro em maioria, tem conhecimento da preservação simbólica e prática da Pátria, é evidente. Ainda assim, essa postura ético-moral - concordamos que deve ser manifestada-, não pode ser usada para mascarar crimes cometidos no dia-a-dia, contra o direito de manifestação de pensamento das pessoas (torcer pela seleção argentina de futebol, por exemplo). Sendo assim, valendo-nos das Fontes de Direito, sabemos que a norma jurídica jamais pode ser considerada (menos importante do que os costumes) em segundo plano.




A título de curiosidade:

Fontes de Direito: Leis, Jurisprudência, Costumes, Doutrina e Analogia.

Lei: A lei busca a paz social. Segundo CLÓVIS BEVILÁQUA, lei é "a ordem geral obrigatória que, emanando de uma autoridade competente reconhecida, é imposta coativamente à obediência geral”

Jurisprudência: Juridicamente significa o conjunto das decisões e interpretações das leis, referirindo-se a "lei baseada em casos", ou às decisões legais que se desenvolveram e que acompanham estatutos na aplicação de leis em situações de fato.

Costumes: Regras sociais resultantes de uma prática reiterada de forma generalizada e prolongada, que resulta em uma certa convicção de obrigatoriedade, de acordo com cada sociedade e cultura específica.

Doutrina: Conjunto de princípios que servem de base a um sistema religioso, político, filosófico, militar, pedagógico, entre outros. Juridicamente, é o resultado do estudo de pensadores, juristas e filósofos do Direito sobre fenômenos ligados ao relacionamento e à conduta humana e sua aplicação no campo jurídico, de fundamental importância tanto na elaboração da norma jurídica quanto em sua interpretação e aplicação pelos tribunais.

Analogia: Consiste em aplicar a um caso não previsto de modo direto por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso concreto.

Por isso, é inadmissível e contraditória a postura geral (ainda que para o homem médio, para toda regra exista uma excessão, o que não é o caso) tomada por parte dos brasileiros, desconsiderando, por hora, o valor da democracia e do texto legal. Sempre é bom lembrar, como ensina Marilena Chauí: “Na abertura democrática, a informação circula livremente”. A partir do momento em que se exerce o direito de preservação de uma cultura nacional, como o futebol, é preciso ter cuidado, pois ultrapassando os limites, acaba cerceando outros direitos fundamentais.

Portanto, suscintamente, o elucidaremos o fato de que agressões e discriminações cometidas a quem cultua a cultura argentina – ou quaisquer outras manifestações pessoais -, são crimes, e ainda, que a manifestação ideológica é legalmente assegurada, no Brasil.


A liberdade é direito assegurado expressamente pela Constituição Federal (art.5°, caput), assim como a possibilidade de cada pessoa se autodeterminar, nos seguintes termos:

TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

Não há como cogitar uma sociedade democrática sem a possibilidade dos indivíduos manifestarem suas opiniões e pensamentos livremente, incluindo, manifestações futebolísticas, lógico.

A partir daí, o constrangimento à liberdade deve ser penalmente punido, como diz o artigo 146 do Código Penal brasileiro:

Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Constranger significa forçar alguém a fazer alguma coisa ou tolher seus movimentos para que deixe de fazer, ressaltando ainda, que violência e grave ameaça são os meios primários de se cometer o delito de constrangimento ilegal, e que a violência há de ser física contra a pessoa, enquanto a grave ameaça representa uma intimidação, contendo a promessa de promover contra a pessoa um mal futuro e sério. É da tradição do Direito Penal brasileiro, ao se valer do termo violência, referir-se à física, embora a grave ameaça não deixe de representar uma violência moral.


Vivendo em um Estado Democrático de Direito, onde o Estado assumiu o monopólio do direito de punir e de exigir, compulsoriamente, a prática de alguma conduta, lembramos do artigo 220 da Constituição Federal, em seus termos:

CAPÍTULO V
DA COMUNICAÇÃO SOCIAL

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística;

Reconhecer a todos os cidadãos o direito de livre pensamento (liberdade de opinião) e manifestação (liberdade de expressão), enquanto opinião diz respeito a um juízo conceitual, uma afirmação do pensamento, a expressão consiste na sublimação da forma das sensações humanas, ou seja, na situação em que o indivíduo manifesta seu sentimento ou sua criatividade, independente da formulação de convicções, juízos de valor e conceitos.

Da mesma forma, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no artigo XIX:

Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Um comentário:

  1. É simplesmente EXTRAORDINÁRIO, o material apresentado neste artigo, que demonstra a importancia de saber separar de forma inteligente e adulta, o fator esportivo, festivo e descontraído, dos aspectos radicais e na maioria das vezes extremistas, de repúdio, ódio e preconceito contra qualquer povo, raça ou religião.
    O comentário resume a essência de toda a apresentação " O Brasil é um Pais DEMOCRÁTICO", onde podemos manifestar nossas opiniões, pontos de vista sem ter que ser ofendidos, humilhados ou sensurados.
    Continuo a manter minha posição de reconhecer que infelizmente existe uma terrível paranoia coletiva de DESCONHECIMENTO em relação à história e costumes da Argentina como nosso pais vizinho, começando pela identificação e assocação da Argentina somente à sua capital Buenos Aires. A Argentina NÃO É SÓ BUENOS AIRES, e um pais maravilhoso visitado em massa pelos Brasileiros, a Argentina é um Pais do TERCEIRO MUNDO! COMO O BRASIL simmmmm doa a quem doer, com suas histórias de sofrimento, ditaduras absurdas, guerras inconcebíveis, roubo declarado das autoridades públicas e o argentno principalmente, sabe como poucos o poder da AUTO-CRÍTICA, razão pela qual nem se importa em ser ofendido, humilhado e satirizado em outros paises, o Argentino tem a si mesmo para ser criticado.
    Um grande abraço a todos, sejam felizes e tolerantes com todos e como dizia um dos maiores humanistas, com amplo conhecimento do Universo e do futuro:

    "Há duas formas para viver a sua vida:
    Uma é acreditar que não existe milagre.
    A outra é acreditar que todas as coisas são um milagre.

    ALBERT EINSTEIN

    Eu acredito em milagres!

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