terça-feira, 26 de outubro de 2010

Raça x Nacionalidade (33)

Há quem defenda que no Brasil não existe racismo e muito menos xenofobia. Há quem diga que no Brasil respeita-se TODAS as religiões, etnias, cores, origens, etc. Mas todo mundo sabe que "não é bem assim que as coisas são"...

Um dos preconceitos mais reais e mais atuais que "nós" temos é aquele contra os nordestinos. Inesquecível, por exemplo, o jogador Edmundo proferindo insultos a um juiz cearense durante partida no Rio Grande do Norte:


"No Rio de Janeiro é assim que a gente fala", disse, não vendo qualquer problema em suas palavras.

Agora, em época de eleição, é comum ouvir absurdos do tipo "esses nordestinos que elegem Dilma/Lula", "é tudo culpa deles". Esquecem, por exemplo, que Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro, somados, deram 4 milhões de votos a mais para Dilma - justamente o valor superior de "Confirma" que a candidata do PT teria caso simplesmente excluíssemos os votos de nordestinos (!).

Outra questão é a ideia de que "nós (quem?) trabalhamos para sustentá-los", que 'eles' são "todos uns preguiçosos", e "nunca vi tanta gente tão feia quanto em... [alguma cidade do nordeste]".

E é contra esses e outros absurdos que a jornalista maranhense Valéria Sotão escreveu o excelente texto que leremos a seguir, oriundo de seu blog "O Sustenido".

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A ignorância de quem odeia o Nordeste sem conhecê-lo

Nessa última semana ressurgiu na internet um tema polêmico: o preconceito contra quem nasce no Nordeste. Um tema que realmente deveria estar eliminado, pois assim como hoje em dia a ideia absurda de Hitler de uma raça pura é ridicularizada, um dia os filhos dos paulistanos que odeiam nordestinos irão sentir vergonha ao saberem que seus pais tinham uma ideia totalmente deturpada do nordestino e das razões que o levam à São Paulo.

A polêmica ressurgiu devido a uma comunidade com o título lamentável de "eu odeio nordestinos" (e existe outra com o também lamentável titulo "não queremos nordestinos em São Paulo"), na qual uma garota que já está sendo procurada pela polícia federal ridiculariza os nordestinos e diz que depois das enchentes em Alagoas e Pernambuco os "cabeçudos" irão superlotar a cidade de São Paulo. No mesmo tópico outra pessoa diz que todos deveriam morrer nas enchentes, porque "nordestino é animal que não sabe nadar".



(FORTALEZA-CE)

Os argumentos usados são clichês e conhecidos há muito tempo. O principal deles é de que nordestinos superlotam a cidade, deixando São Paulo com mais problemas e mais favelas. Analisemos esse argumento:

São Paulo é uma metrópole central, pessoas de todo o Brasil migram para lá e a migração é um comportamento que existe desde que a raça humana também há. E não só pessoas do Brasil, mas do mundo todo fazem isso. A imensa população de São Paulo, a super população, não é culpa dos nordestinos e sim do que qualquer cidade grande se torna: um chamativo para pessoas em busca de melhores oportunidades de trabalho. A "culpa" é do que a própria cidade quis ser. Milhares de italianos migraram para lá e não, não eram ricos. Eram semi-escravos. Ajudaram no crescimento da população pobre. Milhares de orientais, principalmente japoneses, migraram para lá. E não, não eram ricos. Milhares de coreanos migram para lá até hoje. E ninguém reclama. São vendedores ambulantes, a grande maioria vende produtos falsificados, de baixíssima qualidade. Ninguém reclama. São Paulo é praticamente o coração do Brasil. É uma cidade de ninguém, pois desde sempre foi de todos. Portugueses, africanos, italianos, orientais, nordestinos, sulistas, mineiros... São Paulo, como toda metrópole, é do mundo! Não existe uma cerquinha com uma placa dizendo "isso é uma propriedade partircular e aqui só entram pessoas que nasceram aqui". Cidade moderna nenhuma faria coisa tão ridícula.


(Exemplo de moradia comum no sertão)

O bonito de grandes cidades como Londres, New York e São Paulo é exatamente essa miscigenação, esse mix de pessoas de todo o mundo num mesmo lugar. E é isso que dá a riqueza dessas cidades: gastronomia variada, restaurantes italianos, japoneses, australianos, nordestinos, mineiros; pessoas de todas as cores, de vários idiomas, de várias experiências diferentes, coisa que faz qualquer povo crescer culturalmente.



(SALVADOR-BA)

Mas para qualquer pessoa crescer é preciso ter mente aberta para o novo, braços abertos para o mundo. Enquanto existirem pessoas bairristas com uma mentalidade elitista antiquada e sem embasamento em pilares concretos o crescimento nunca será total. A maioria dos paulistanos, acredito eu, conseguem aproveitar tamanha bagagem cultural; mas ainda existem aquelas pessoas, que carregam ódio no coração por motivos pessoais, frustrações, traumas, famílias desequilibradas ou quaisquer outros problemas; e procuram válvulas de escape em passatempos que possam expressar tamanho ódio. Alguns escolhem o bairrismo, a xenofobia, alguns até ingressam em grupos neonazistas. E mesmo os que não ingressam, só o ódio basta para que o bairrismo seja algo ridículo e triste, um aspecto psicológico individual que a partir do momento que ofende pessoas vira algo psicopata e um problema social. O bairrismo é escolhido por um motivo muito simples: essas pessoas precisam se auto-afirmarem, se sentirem melhores, superiores em algum aspecto, e para isso usam o racismo, ideologia já quebrada pela Ciência. Racismo não contra a cor da pele, pois muitos nordestinos tem a pele clara, mas contra um grupo nascido em determinado local. Esses paulistanos racistas acham que nordestino é uma raça diferenciada, como se nossos antepassados tivessem nascido aqui e só. Não, queridos. Os nordestinos vieram das mesmas "raças" que vocês. Mas hoje sabe-se que não existem raças, e sim subraças. Comprovou-se que o homem surgiu na África e depois migrou para outros locais. A cor da pele, dos olhos e todo o mais foi se modificando para adaptação ao ambiente. Somos todos africanos, e eu adoro esse tapa na cara dos racistas!


(RECIFE-PE)

Outro ponto interessante a ser dito é que São Paulo só é o que é hoje exatamente por ter atraído tantos trabalhadores braçais. Assim, os detentores dos instrumentos de trabalho puderam colocar em prática suas fábricas, suas produções, suas plantações e etc. Usaram como mão de obra desde os ex-escravos africanos até o recém chegados nordestinos e italianos. E São Paulo atraiu essas pessoas nada mais nada menos por uma questão histórica, por ter despontado na produção de café, por exemplo. Não por serem melhores ou mais inteligentes (viemos da mesma raça, lembra?). Foi um fator do destino. Se a cidade que mais tivesse crescido no Brasil fosse Fortaleza, por exemplo, todos migrariam para lá. Inclusive paulistanos. É assim que as coisas funcionam.

Outra coisa patética é generalizar o nordestino, dizendo que todos são provenientes da região do sertão, todos são cabeçudos e fedorentos. Quanta ignorância! Já ouvi uns extremos dizendo que no Nordeste não havia luz elétrica, viadutos, Coca-cola.No Nordeste existem cidades grandes, algumas metrópoles até, como Recife e Salvador. Cidades com cultura própria (coisa que São Paulo não tem, pois é um mix de culturas), ricas, desenvolvidas e com problemas como outra qualquer. Têm suas próprias favelas mas também seus próprios viadutos, praças, inventores, artistas. Seus próprios médicos e suas próprias universidades.


(RECIFE-PE)

Aliás, na questão cultural e artística, não existe região mais rica do que a região Nordeste. Os escritores mais famosos da história brasileira são nordestinos. Até a russa Clarice Lispector foi criada no Nordeste e tinha orgulho disso. Sua maior personagem, Macabéa, era nodestina.Gonçalves Dias, Ferreira Gullar, Jorge Amado, José de Alencar, o maravilhoso Ariano Suassuna, entre tantos outros. O movimento Tropicália, movimento musical e artístico mais conhecido no exterior juntamente com a Bossa Nova, tinha a maioria de seus integrantes sendo nordestinos. Caetano Veloso, talvez o melhor compositor da atualidade, Maria Bethânia, Raimundo Fagner, Dorival Caymmi, Carlinhos Brown (você gosta de Marisa Monte? a maioria das músicas dela são de composição de Carlinhos), Zé Ramalho entre outros artistas respeitáveis.


(Garota com prato vazio, no Nordeste)

Jô Soares, um dos maiores intelectuais brasileiros, é filho de nordestino. Eu, que já nasci artista e falo isso sem problema algum, sou nordestina. E com orgulho. Muitas das pessoas mais inteligentes que eu conheço são nordestinos. E olha que conheço muita gente de fora...

Sobre os nordestinos sertanejos, os "fedidos", "burros" e "cabeçudos" só digo o seguinte: Você sabe o que é nascer num lugar onde não chove? Onde você planta e nada dá? Onde políticos ladrões não fazem uma escola sequer para seus filhos? Você sabe o que é passar fome e sede? Não, né? Então acho melhor não falarem nada, para não falarem abobrinha. Ninguém escolhe nascer ali. Estão ali por questões históricas, antigas. Não tem dinheiro para comprar comida, imagina um desodorante. Você não é mais cheiroso que eles, só tem mais condições financeiras. Você não é mais inteligente, só teve a oportunidade divina de estudar. Você sabe ler, usar um computador. Eles nunca nem viram um computador. Não por escolha própria. É natural que alguém diga "em São Paulo todo mundo consegue subir na vida" (o que é mentira) e uma pessoa que não teve educação e instrução acreditar. Então pelo amor de Deus, se você tem um mínimo de humanidade, não julgue quem não teve a mesma sorte que você na vida. Não tente "varrer" pessoas para longe, são seres humanos, não lixo. E tem o mesmo sangue que você.


(SÃO LUÍS-MA)

A última foto é da cidade mais linda do Nordeste, minha cidade!

10 comentários:

  1. E tivemos quatro Presidentes nordestinos: Deodoro da Fonseca (primeiro da República,diga-se), Floriano Peixoto, Humberto de Alencar Castelo Branco e Luis Inácio Lula da Silva.

    Além dos magníficos Augusto Teixeira de Freitas (já citado neste blog), Pontes de Miranda, Aurélio Buarque de Holanda, Rui Barbosa, Gilberto Gil, Gal Costa, Jorge de Lima, Zagallo, Hermeto Paschoal, Cacá Diegues, João Gilberto...

    Nunca é demais lembrar que Edmundo é reverenciado aqui no Brasil como "animal". É bonito ser chamado de animal.

    A matéria explica um pouco a perseguição aos argentinos: Oras, se não respeitamos os "da nossa casa", respeitaremos "os de fora"?

    De repente, podemos partir dessa idéia: Obviamente, é preciso respeitar os brasileiros, para depois "pensar" nos estrangeiros.

    Quem sabe as populações de Sul e Sudeste...

    Difícil, muito difícil.

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  2. Além de todos os citados, ressalto que o poeta Manuel Bandeira (pernambucano) e o cantor/compositor Zeca Baleiro (maranhense, como a autora) são duas de minhas personalidades brasileiras prediletas.

    Viva o Nordeste!

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  3. Na Argentina existe o mesmíssimo preconceito, dos portenhos contra o resto do país, pelos mesmos motivos que aqui no Brasil: divergencia cultural e sócio economica, somada à mediocridade espiritual de grande parte da população..

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  4. Talvez seja verdade, Rodrigo. Mas o que isso tem a ver com o fato de, no Brasil, esse preconceito ser real e presente?

    Esse é o grande defeito da sociedade brasileira "ptriota": aqui, tudo é bom, e o que é ruim, "é igual ou pior nos outros países".

    "Veja, nós temos uma criminalidade alta" - "Ah, mas na ARgentina também";
    "Veja, nossos políticos são ladrões descarados" - "Ah, mas na Argentina também!"

    Quando iremos parar com isso e analisar e tentar resolver os problemas daqui? QUando iremos reconhecer quanto, como e onde precisamos melhorar?

    Em que trecho da matéria o Sr. leu "veja, o brasil odeia brasileiros, na Argentina, isso não acontece, argentinos são santos"?

    O que mais nos chateia é isso: as pessoas que vêm aqui não podem nem ser acusadas de burras por não entenderem a nossa proposta: na verdade, elas sabem, mas não querem aceitá-la.

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  5. A matéria em momento algum diz que na Argentina não existe preconceito. É sempre o mesmo erro de interpretação. Quer dizer que se existem problemas em outros lugares, não podemos lutar para que acabem os daqui?

    Divergência cultural e econômica não são "desculpa": Todos somos seres humanos, iguais, na democracia que vigora no Brasil.

    Mediocridade intelectual também nos preocupa.

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  6. Eu sei bem que em Argentina existe muito preconceito sim.
    Mas entendi perfeitamente o que o autor quis colocar.
    mais uma vez parabéns...

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  7. O HOMEM NÃO SURGIU NA AFRICA; SURGIU NO ORIENTE MEDIO. LEIA GENESIS.

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  8. e no Oriente Médio eles são branquinhos como os alemães?

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  9. Gente, esqueceram do Sarney rs. Presidente do Brasil nascido no Maranhão.

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  10. eu sou nordestina,não tenho preconceito com paulistanos,sei ler,escrever,muitas coisas e não sou como esses racistas dizem,ninguém aqui no nordeste é como os paulistanos racistas dizem,queria que esse crime de racismo tivesse na internet também!!!

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