Isso é Jornalismo! (46)

*post número 300 da história do blog.

Segue abaixo texto escrito pelo jornalista Fred Fagundes e publicado em 04/12/2011 no "Portal Homem". É um artigo de extrema lucidez e que, de novo, vem a questionar mitos do imaginário popular brasileiro.

//

Alguém falou mal de argentino. E você acreditou.

Em algum momento, não sei exatamente quando, foi decidido que o povo argentino seria o inimigo número 1 do brasileiro. Decretou-se que todo ser nascido naquele país seria automaticamente arrogante, metido e mal educado.

Não é bem assim.

Quantos argentinos marrentos você conhece além dos ridicularizados e estereotipados pela mídia? E quantos fizeram algo de absurdo na sua presença? Eu, que morei no litoral de Santa Catarina e convivi com argentino durante alguns verões, não me recordo de nenhuma situação que despertasse ódio por aquele povo.

Então, por que odiamos argentinos?


Martina Gusman, mais um motivo para não arrumar encrenca com a Argentina e suas derivadas (Foto: Getty Images)

A rivalidade entre Brasil e Argentina que existe no esporte foi o estopim para esse preconceito cultural. Tornou-se natural direcionar todos os exageros que ocasionalmente surgem durante as disputas aos vizinhos. Consideramos linda a sambadinha de Júnior em 82, mas hipócrita os lamentos de Maradona em 1990. Lembramos que eles foram campeões do mundo em 86 com um gol de mão, mas raramente citamos 62, quando Nilton Santos cometeu um pênalti não marcado [porque ele ludibriou a arbitragem].

Tem mais. A mídia julga criminosa a entrada de Maradona em Batista na Copa de 82, mas não comenta as cotoveladas de Pelé e Tostão em 70. Assim como critica a violência dos times argentinos na Taça Libertadores e deixa de lado os papelões dos brasileiros (como o torcedor (?) do Santos que arrumou aquela briga antológica na final da Taça desse ano).

Pra piorar, dois grandes comunicadores contemporâneos incentivam essa rivalidade: Galvão Bueno e Tiago Leifert. O primeiro tornou famoso alguns bordões:

Ganhar é bom. Ganhar da Argentina, amigo, é melhor ainda.

É o jogador mais encrenqueiro do futebol mundial. (Sobre Verón, Redondo, Mascherano...)

Já o segundo, o apresentador do Globo Esporte, tem até uma argentina para ser sacaneada no Central da Copa. Leifert esbanja ironia ao falar mal dos argentinos. Contudo, até que ponto isso é visto como sarcasmos pelo espectador?

O cinema deles anda melhor que o nosso. Mas você, talvez, não conheça por puro preconceito

Não dá pra falar que todo argentino é arrogante, marrento ou babaca.

Nem cravar que todos brasileiro é simpático, acolhedor e feliz.

Não caia na onda das opiniões tendenciosas e bairristas da mídia.

Argentinos são, culturalmente, infinitamente diferentes dos brasileiros. Eles se expressam, amam e vivem de modo diferente ao nosso. É uma cultura rica, poética e que exala paixão. A tal rivalidade, do outro lado da fronteira, existe do mesmo modo. É, também, incentivada pela mídia.

Mas a sensação por lá não é de ódio. A piada não é esdrúxula. E o sentimento adquirido durante um passeio pelas ruas de Buenos Aires torna tudo mais claro:

O argentino odeia adorar os brasileiros. E o brasileiro adora odiar os argentinos.

Quem está certo?