quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Off-Topic (5)

Diversas vezes ressaltamos neste blog que a rivalidade entre Brasil e Argentina também atingiu esferas políticas e econômicas – como não poderia ser diferente, do ponto de vista geográfico, inclusive; mas nessa semana (ratificando nossas inúmeras demonstrações de que a situação é secular), tivemos conhecimento do caso mais grave: a cogitação de guerra entre os dois países – por iniciativa do Brasil; e mais do que isso, o país tupiniquim provocaria um conflito nuclear, se preciso fosse.

Encontro entre Augusto Pinochet e Ernesto Geisel
            É público e notório que em meados da década de 70, Brasil e Argentina começaram a adquirir infra-estrutura para a produção de armas nucleares – em seus respectivos governos militares. O Brasil firmou acordo com a Alemanha Ocidental, comprometendo-se a comprar reatores e materiais nucleares, enquanto a Argentina iniciou, em 1978, a construção de suas próprias instalações nucleares.

            O jornal “O Estado de São Paulo”, revelou arquivos secretos do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) – incluindo a ata da reunião -, demonstrando que o presidente brasileiro à época, Ernesto Geisel, admitiu a possibilidade de o Brasil construir uma arma atômica, bem como declarar guerra contra a Argentina. 

Em reunião com o Alto Comando das Forças Armadas, precisamente em 1974, Geisel exterioriza “preocupação” do governo e dos militares em relação ao fato de a Índia ter detonado uma “bomba teste”. Intrigante, porém, é que longínqua atitude Indiana serviu como argumentação para que o Presidente cogitasse a possibilidade dos Argentinos também estarem realizando a mesma prática. Visando evitar que o Brasil “ficasse para trás” econômica e militarmente, Geisel se refere também à Argentina – que avançara significativamente no setor:

"Por seus importantes reflexos sobre a segurança nacional, não desejo encerrar esta exposição sem uma referência especial à política nacional para o uso da energia nuclear (...). A explosão recente de uma bomba nuclear pela Índia provocou comoção mundial e temos que considerar a hipótese de, em futuro não longínquo, a Argentina também pode explodir a sua. Evidentemente, isto gera inquietação entre nós e todos indagam qual será a posição do Brasil face à situação”, avisou o Presidente ao Alto Comando. Mas isso não é tudo: o general foi mais direto do que possamos imaginar, afirmando que a os argentinos tiveram "relativa facilidade de encontrar urânio", sendo "mais favorecidos pela natureza que o Brasil"; afirmando que a obtenção de consideráveis quantidades de plutônio, "poderia (grifo nosso) servir para os hermanos construírem uma arma nuclear". Incisivamente, Geisel não rogou-se em acrescentar: "nesse quadro, devemos evitar a abordagem passional do problema, capaz de nos conduzir a decisões precipitadas, por influência das supostas possibilidades ou intenções da Argentina (...). Dentro da necessidade de atualização, ressaltada pelo EMFA, o conceito deverá abranger a hipótese de guerra continental envolvendo a Argentina".



Documento Secreto: Ordem de Espionagem
            Acontece, porém, que o temor não se tratava tanto pelo poderio (e pelo ímpeto cogitado) do rival, mas pela fraqueza das tropas brasileiras. Também em documentos desclassificados pelo Arquivo Nacional, fica demonstrada, em agosto de 1978, a criação do Plano de Informações Estratégicas Militares, que descreve o esquema de espionagem organizado pelo Brasil. A tarefa era clara: fornecer ao governo brasileiro informações estratégicas e secretas dos países da América Latina - deixando apenas EUA e Canadá de fora do plano. Informações variadas estão preestabelecidas no documento e não deixam dúvidas de que o objetivo era descobrir segredos militares dos vizinhos: "Talvez o maior proveito desse trabalho de planejamento, na fase em que está, tenha sido o de nos permitir uma visão panorâmica do despreparo militar do Brasil (...)", admitiu o então vice-comandante do EMFA, o vice-almirante Ibsen Câmara, que secretariou a reunião presidida pelo general Tácito de Oliveira, na ocasião ministro-chefe do EMFA. Ibsen, por sua vez, complementou: "porque todos nós conhecemos, dentro de nossas forças, o próprio despreparo. Mas estamos agora aqui no EMFA examinando os planos de aprestamento e verificando que o conjunto está extremamente fraco, mesmo para o inimigo relativamente fraco como o que nós estamos imaginando". Por fim, disse ainda o bEm matéria de Força Aérea,[a Argentina] é muitas vezes superior a nós".
rigadeiro Waldir de Vasconcelos, mais tarde ministro-chefe da EMFA, em relação a participação da Força Aérea no conflito contra a Argentina. "

Documento Secreto: Armas Nucleares
            A atitude do general Geisel e dos demais militares – e estadistas – brasileiros, é mais um típico (e gravíssimo) caso de “contra atacar antes de ser atacado”, no que tange à relação Brasil-Argentina. Todavia, apesar da gravidade do assunto, não nos causa estranheza a postura do Presidente brasileiro, como podemos constatar em um rápido exercício de memória: em seu governo, Geisel fechou o Congresso Nacional, cassou parlamentares injustificadamente, ampliou de forma arbitrária o mandato presidencial para seis anos, e criou o famigerado “Senador Biônico – nomeado pelo governo, e não através do sufrágio universal. Ocorreram inúmeros assassinatos e atos terroristas contra pessoas e instituições que lutavam pela democracia (sendo todos acobertados pelo Exército); crimes que jamais foram devidamente explicados à justiça. Casos tristes, revoltantes e emblemáticos, como o da morte de Vladmir Herzog, de Manoel Fiel Filho, bem como do filho de Zuzu Angel (ícones daqueles tempos, até hoje). Incluem-se também as suspeitas mortes dos Presidentes Juscelino Kubitshek e João Goulart, bem como do jornalista Carlos Lacerda; além de inúmeros escândalos de corrupção, como o dos irmãos Lutfala e Atalla, e o caso Ângelo Calmon de Sá.

            Portanto (ainda que na informalidade), se alguém cogitar a possibilidade de bombardear a Argentina, não será idéia inédita; na década de 1970, Ernesto Beckmann Geisel não se inibiu – como em todos seus monstruosos atos ditatoriais -, e incumbiu-se de tamanho descalabro. 

Nota do blog: Felizmente, com a transição para governos civis nos anos 80, a cooperação entre os dois países teve grande progresso, onde foram celebrados diversos tratados internacionais, tendo como os mais importantes: o Tratado de Tlatelolco (Tratado de não proliferação de Armas Nucleares na América Latina), em 1994, que tinha por finalidade a criação de uma Zona Livre de Armas Nucleares (ZLAN), abrangendo toda a América Latina e Caribe; e o Acordo Quatripartite (1994), onde Brasil e Argentina comprometeram-se a aceitar a aplicação de salvaguardas internacionais a todos os materiais nucleares, entre outros.

Um comentário:

  1. Uma grande mensagem implícita para as pessoas que sentem "saudades da ditadura".

    Nunca mais!

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