domingo, 7 de fevereiro de 2010

Isso é Jornalismo? (15)


Dando uma garimpada, encontramos esse excelente texto de Idelber Avelar, brasileiro, publicado em 2005 em seu excelente site "O Biscoito Fino e a Massa". Trata-se de uma bela análise de como as transmissões futebolítiscas contribuem, negativamente, para o sentimento anti-argentino no Brasil.

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Algumas Notas sobre Xenofobia Anti-Argentina

Em primeiro lugar eu gostaria de convidar a que voltassem aqui todos os leitores que apareceram na época do post sobre Grafite/Desábato para dizer que a Seleção Brasileira seria recebida a pedradas em Buenos Aires, que o Brasil seria massacrado a pancadas e que a polícia argentina estaria pronta para levar qualquer brasileiro para a cadeia por qualquer coisa.

Em segundo lugar, alguns comentários sobre o jogo de ontem, ou melhor, sobre a transmissão brasileira:

1:40: depois de uma dividida normal, Galvão Bueno nos diz: "esse Killy González é desleal, só entra para quebrar".

3:40: gol da Argentina, depois de uma triangulação de toques rápidos típica do futebol argentino. G.B.: "Gol da Argentina numa bobeira da defesa do Brasil". Nenhuma menção à bela jogada argentina.

11:00: Depois de sofrer falta normal, Adriano se levanta e tenta agredir Ayala. Falcão: "se o árbitro tivesse mostrado o amarelo o Adriano não teria feito isso". Penso comigo: "será que o Adriano antevê o futuro?" Porque obviamente ao se levantar para agredir o argentino ele não tinha nem idéia do que faria o árbitro.

17:00: gol da Argentina. G.B.: "outra bobeira da defesa do Brasil".

40:00: terceiro gol da Argentina.

46:00: Roque Jr. faz falta e, caído, chuta Ayala. G.B.: "os jogadores brasileiros estão começando a revidar". Penso comigo: 'revidar o quê?'...


No segundo tempo, com a reação do Brasil, G.B. e Casagrande nos dizem, várias vezes, que aquele era o jogo real. 'Uai', penso comigo, 'o que eu vi no primeiro tempo era um jogo imaginário?' Parece que o jogo só é "real" quando o Brasil é superior.

Mas o grande destaque da noite aconteceu aos 21 do primeiro tempo. G. B. nos avisa que a palavra milonga pode ser traduzida como malandragem. Gardel revira-se no túmulo.

O sociólogo brasileiro Ronaldo Helal que reside em Buenos Aires e, como eu, se dedica ao estudo da cultura argentina, concedeu à Folha uma entrevista (link para os que têm UOL) em que afirma: "Aqui, quase não há piadas com brasileiros. No Brasil, não vejo matérias elogiando o futebol argentino".

Assisti ao jogo do Brasil [contra o Paraguai] em Buenos Aires. Três momentos me chamaram a atenção no segundo tempo. No início, o locutor disse: "Eles jogam se divertindo. Muita técnica, uma beleza!". Depois, quando o Brasil fez 3 a 0, disse: "Agora para os amantes do bom futebol, vamos assistir ao luxo do Brasil". No final, ele disse: "Toda a magia e fantasia do jogador brasileiro". Não imagino o Galvão Bueno falando assim dos argentinos.

Ronaldo Helal tem toda a razão. Eu sonho com um Brasil onde nós conhecêssemos sobre eles 10% do que eles conhecem sobre nós; onde as transmissões de futebol não fossem essa palhaçada xenófoba; e onde todos os argentinos que aqui chegam fossem recebidos com o carinho de que eu, pelo menos, desfruto sempre que chego lá.

A propósito, um dos maiores romances latino-americanos dos últimos tempos, Duas Vezes Junho, do argentino Martín Kohan, acaba de ser lançado em português, pela editora Amauta. Não percam. O romance transcorre durante a Copa de 1978, desmontando todo o delírio patriótico que cercou aquela Copa. Ainda estou esperando um romance brasileiro que reflita criticamente sobre a nossa relação patrioteira com o futebol.

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