terça-feira, 23 de agosto de 2011

Isso é Jornalismo! (38)

Existem muitas e fundamentais diferenças entre brasileiros e argentinos. Uma das principais foi analisada no ótimo artigo "Brasil X Argentina - Em outros campos" da revista 'Viver Brasil', publicado em março deste ano.

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Saindo dos gramados e indo para as ruas, para as manifestações sociais, hermanos e brazucas estão em níveis diferentes: nossos vizinhos são mais aguerridos

Numa transposição da rivalidade futebolística para a cultura do protesto social e manifestação, dá Brasil ou Argentina? Menos na vitória, e mais nas influências e características de cada um quando a história é botar a boca no trombone é o que propõe a Viver Brasil. Fomos a Buenos Aires participar da Marcha pela Memória, Verdade e Justiça. Acompanhamos por aqui a 2ª Pedalada Pelada em São Paulo. Conversamos com argentinos e brasileiros sobre o assunto para ver o que passa.

A Marcha de 24 de março arrasta uma multidão pela avenida de Maio, reunindo de integrantes do partido comunista ao movimento punk, passando por sindicalistas, indígenas, ex-combatentes da guerra das Malvinas. Portanto, causas variadíssimas. O consenso é lembrar a ditadura, uma das mais cruéis do continente latino, responsável pelo desaparecimento e morte de cerca de 30 mil pessoas. Geraldo, Melina, Indira e Denise, estudantes universitários sentados na grama da praça da Maio, acompanham a manifestação atentos. “Não resta dúvida sobre a razão principal do protesto, que é revolver o passado, mas os outros temas têm divergências. Acho que o atual governo evoluiu bastante quanto aos processos militares e mesmo no espaço para liberdade de expressão”, palpita Melina. Mas, bem ao seu lado, inúmeras faixas e gritos contra Macri, atual chefe de gabinete do governo argentino, ex-presidente do Boca Juniors, o que explica sua popularidade. Maurício Macri é mais pichado e criticado que a presidente Christina Kirschner. “Ele é muito do mal. Fechou projetos culturais e limitou o movimento estudantil”, diz Gisele, outra estudante portenha. Divergências à parte, o jornalista do Canal 13, Javier Fabracci, diz que há uma tradição argentina, desde o peronismo, pela manifestação. O ato de ir até a praça de Maio é um símbolo importante, além de ser televisionado e fotografado para todo o mundo.

O encontro está marcado para as 15h30. Os diversos movimentos chegam pelas ruas que dão acesso ao centro da praça, cada qual se posicionando numa esquina com estandartes, faixas, muitos encapuzados por medo da polícia, que não aparece, só organizam o trânsito. O cortejo principal chega pela avenida de Maio e é ovacionado pelos argentinos. Ali está a origem da manifestação, o grupo das Mães da Praça de Maio, a lendária organização que fundou a marcha. Em plena ditadura, decidiram cobrar do governo em público a punição e julgamento dos responsáveis pelo desaparecimento de seus filhos. Co­mo era proibido sentar na praça, à época, as mães ficavam circulando, com os panos na cabeça com nomes dos filhos, que viraram símbolo do seu protesto.

Trinta e três anos depois do início da ditadura argentina, as mães continuam a sair às ruas. Elas discursam no palco montado de costas para a Casa Rosada, sede do governo argentino, e batem na lentidão dos processos de julgamentos dos militares, no neoliberalis­mo, crise financeira, capitalismo. Famílias inteiras, jovens, cidadãos comuns acompanham o ato empolgadíssimos.

O consultor piauiense Carlos Franco diz que os argentinos são ideologicamente mais próximos do comportamento político dos europeus. “A gen­­te se americanizou mui­to, a classe média não protesta, não vai pra rua.” Joaquim e Jonatan, que en­cabeçavam o cortejo do Partido Comunista na marcha argentina, afirmam que aos brasileiros falta sangue. A designer carioca Eneida Déchery concorda: “Nós ainda so­mos caçadores-coletores. Por nós, viveríamos em cima de um sambaqui com artefatos de conchas e jogando todos os dejetos bem ao lado para formarmos outro sambaqui.”

Em busca do fairplay, voltamos a bola para o meio do campo e observamos a 2ª Pedalada Pelada que reuniu, também em março pas­sado, muita gente na avenida Paulista e no parque do Ibirapuera para lembrar que os ciclistas, sim, existem no meio do trânsito violento e caótico da megalópole. O protesto é inspirado nos similares europeus, Londres e Berlim fazem pedaladas peladas e divertidas há mais tempo. Luciana Cos­ta, uma das participantes – o movimento não tem organizadores – diz que as pessoas se intimidaram mais este ano porque em 2008 a polícia prendeu um manifestante por atentado ao pudor. Então pouca gente tirou a roupa. Mas o protesto cumpriu seu alerta, na direção do que cada vez mais acontece nas grandes cidades brasileiras.

Intervenções urbanas, arte-ativismo que chama a atenção para a proposta e sacode as pessoas, ainda que não reunam multidões. Nesses casos, as características são organizações auto-geridas, sem liderança e que usam bastante a internet e celulares na divulgação. As estratégias de dispersão e simultaneidade também têm sido usadas pelo novo ativismo, que começa a romper fronteiras geográficas. Os protestos antiglobalização em Seattle (EUA), em 1999, durante uma reunião do G-8, são considerados marcos inspiradores destas manifestações. “Temos influências norte-americanas, mas européias também”, diz Luciana. Influências à parte, parece mesmo que no campo das manifestações sociais os hermanos são mais engajados, mais aguerridos, apesar de não faltarem motivos para protestos no país do futebol.

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