sábado, 27 de março de 2010

Raça X Nacionalidade (20)


Para reformular a sociedade em que vivemos, é necessário, antes de tudo, excluir certos vícios negativos desse meio. Infelizmente, em razão da subjetividade que não cabe a todos - falando de Nações -, cria-se um agravante para que os membros livres da sociedade se manifestem em favor da ordem e do bem comum. Sendo assim, vivendo em um Estado democrático de direito, jamais vamos admitir que alguns deturpem e proliferem atitudes negativas para prejudicar alguém, e passem batidos à opinião das pessoas.
Diante disso, reiteramos que a sociedade brasileira criou o hábito de acusar os argentinos de todos os casos desprezíveis, se valendo de um complexo maldoso e oportunista: porque se vale de erros alheios para representar figuras, até que se prove o contrário, inocentes; porque comete atrocidades de graus mais graves, e esconde; e porque, na maioria das vezes, os erros que são colocados não existem: são invenções que se tornam fatos como material ludibriador.

Racismo e xenofobia são exercitados diariamente no Brasil mas, como se não bastasse, pessoas que tem em mãos a possibilidade de modelar opiniões de muitas outras reforçam a perseguição aos estrangeiros. Reforça essa linha de pensamento VALENTE, 1994, p. 07:

O racismo é um problema mundial, mas geralmente no Brasil é tratado como se existisse apenas fora do país. Na verdade esse faz- de conta parece bastante cômodo. O duro é admitir que o racismo também está presente entre nós,brasileiros, e que o negro é uma das vítimas prediletas. E não são poucos aqueles que, neste país, negam a existência do racismo. Negativa que, ao servir de camuflagem, reproduz uma situação de fato”

Convenientemente, são escondidos os fatos negativos ocasionados pelos brasileiros, o sensacionalismo só é usado quando o assunto trata de um argentino. Por exemplo, o meio campista D’Alessandro, na partida válida pelo segundo turno do campeonato gaúcho do último dia 24, contra o São José, após ser envolvido em uma confusão com o técnico Argel, declarou que há preconceito com estrangeiros no futebol brasileiro: “O problema é que sou argentino. Como disse o Fossati (treinador Uruguaio), temos que fazer o dobro. Nem falei com ele. Falei para o banco, porque me xingaram. Não falei com ele e ele se meteu”.
Uma das últimas aberrações contra o povo argentino nos meios de comunicação foi a repercussão que algumas figuras causaram, como foi mostrado aqui, com relação ao goleiro Abbondanzieri. Não custa lembrar que o argentino foi execrado sem qualquer indício ou apuração que comprovasse as atitudes das quais é acusado. Os "especialistas" Neto e Quartarollo se ativeram apenas à palavra de Baiano, e tentaram a todo custo defender Antônio Carlos Zago, amigo pessoal de ambos e, claro, brasileiro (Neto disse que "falam do Tonhão mas esquecem do novo goleiro do inter" e Quartarollo afirmou que o erro de Zago foi "pontual").
Porém, a sequência de ambos foi diferente: ao passo que Neto excluiu sua postagem (não sabe-se por precaução ou arrependimento), Quartarollo mantém seu post até hoje e, diante de questionamentos de leitores, mostra desprezo pela busca de comprovação dos fatos. Por exemplo, quando confrontado com as declarações de Luiz Alberto, Quartarollo disse: "Vamos aguardar", como quem diz: "mais cedo ou mais tarde, Luiz será discriminado". Preconceito puro, claro.
Mas o mais incrível foi a forma como um fato ocorrido no último dia 13 passou despercebido.
José Róbson do Nascimento, mais conhecido como “Robgol” (apelido adquirido quando ainda vestia a camisa do Nautico, na ocasião em que marcou dois gols no clássico contra o Santa Cruz, vitória de 2a1, cópia do apelido do centroavante Argentino Gabriel Omar Batistuta, o famoso Batgol), atuou pelo Bahia, Oita Trinita (Japão), Santos, e encerrou a carreira no Paysandu.
Atualmente Deputado Estadual pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), ele revelou em entrevista ao Lancenet que foi vítima de discriminação pelo atual técnico do Palmeiras Antônio Carlos Zago, quando este era jogador. O episódio ocorreu em maio de 2005, num jogo entre Juventude e Paysandu (antes, portanto, da ofensa a Jeovânio).
Robson relata que Antonio Carlos o agrediu no estômago, e disse: [sic]Para você ganhar todo dinheiro que eu ganhei até hoje, vai ter de jogar 50 anos nessa terra de índio. Quatro meses se passaram, e o Paysandu venceu o Juventude com dois gols de Robson, naquela partida Antonio Carlos voltou a agredir o Paraense com uma cotovelada. Declarou Robgol: “Ele não teve conduta de homem. Ficou comprovado, depois, que é racista".

Na tentativa de se defender, no dia 17 de março desse ano, após a vitória do Palmeiras sobre o Paysandu em jogo válido pela Copa do Brasil, Antônio Carlos disse que "o que aconteceu enquanto ambos eram atletas, ficou no passado" e que "cada um está aberto a falar o que quiser". Como se fosse simples, assim. Robgol ainda declarou que Zago ofendeu a todos em Belém.
(pergunta rápida: será que aqueles que haviam tripudiado Abbondanzieri e defendido Antônio Carlos de forma passional se proncunciaram sobre o caso? Claro que não. Quartarollo, inclusive, respondeu rispidamente a um leitor que sugeriu que ele fizesse comentários à notícia: "Desde quando você me pauta?", falou).
Além de assinar o atestado de racista – comprovado! – o treinador do Palmeiras ofendeu não apenas os cidadãos de Belém, mas toda a Nação brasileira. A partir do momento em que tentou transformar a nomenclatura “índio” em algo pejorativo, demonstrou uma ignorância sem tamanho e confirmou que é preconceituoso. Nunca é demais ressaltar que os habitantes das Américas foram chamados genericamente de Índios pelos europeus que chegaram, por pensar que haviam atingido as Índias.
Criou-se uma facilidade de tratar os nativos de forma homogênea, já que visavam o domínio político, econômico e religioso dos mesmos. Talvez não seja do conhecimento de Antonio Carlos que entre Xavantes, Caraíbas, Tupis, Jês e Guaranis, estima-se – muito ao fato da dizimação dessas culturas – que a população indígena brasileira variava entre três e cinco milhões de habitantes antes do processo de ocupação dos exploradores. Citamos, também, o capítulo VIII da nossa Constituição Federal de 1988:
DOS ÍNDIOS
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.
Todo brasileiro tem origem indígena e tem seus direitos previstos em lei. O ex-zagueiro passou por cima de tudo isso, e faltou com o respeito para com todos nós. Ressalte-se que Zago serviu por diversas vezes a seleção brasileira de futebol – ferramenta usada pelos brasileiros como sinônimo de patriotismo.
Os fatos estão expostos, a imprensa não faz a menor questão de mostrar (pelo contrário, o técnico do Palmeiras esteve no programa "Bem, Amigos!", do SporTV, na última segunda-feira --22-- e em nenhum momento foi perguntado sobre isso), com toda certeza por não se tratar de uma suspeita sobre um argentino, e sim por uma verdade sobre um brasileiro público.

2 comentários:

  1. "O pior cego é aquele que não quer ver", diz o ditado. Texto muito bem escrito e, principalmente, muito bem embasado. Parabéns

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  2. Paulo César de Araújo28 de março de 2010 às 19:34

    Parabéns ao autor do texto, só pode ser um gênio!

    Abraços

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