domingo, 25 de abril de 2010

Propagandas (23)


Nas diversas peças publicitárias que já colocamos aqui no blog, geralmente as mais comuns são as relacionadas a futebol. Porém, o que mais chama atenção é que, do lado brasileiro, há uma quase que necessidade de colocar a Argentina no meio de campanhas ou comerciais, o que nos leva a, antes mesmo de questionar se isso é apenas rivalidade ou preconceito, notar uma certa "falta de criatividade" (principalmente sabendo da genialidade da propaganda brasileira).

Pensando nisso, a publicitária Simone Figueiredo escreveu esse belo artigo, que colocamos a seguir. Uma excelente análise do que é torcida e rivalidade, senso-comum e bom senso.

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Reflexões sobre a rivalidade na Copa do Mundo através da campanha “El Xavecón”

De quatro em quatro anos, não restam dúvidas: em época de Copa do Mundo, qualquer anunciante – tenha ou não relação com o futebol – vai apostar suas fichas em campanhas voltadas para isso. Não há nada de errado em aproveitar esse momento. Aliás, dentro da publicidade, datas como dia das mães, dos pais, dos namorados e até a Copa do Mundo já são esperadas pelas agências, que criam os chamados “anúncios de oportunidade”.

A campanha da vez é da agência NewStyle para a Gilette e é intitulada “El Xavecón, su mejor cantada”.

O mote principal da campanha é um concurso cultural onde o participante deveria gravar um vídeo com uma cantada em portunhol, postar no YouTube e aguardar a votação popular que elegiam os melhores vídeos. Dentre os vídeos postados, foram escolhidos entre os 100 mais assistidos somente 10 finalistas. Em mais uma etapa de votação, somente 3 vídeos foram escolhidos e os respectivos autores ganharam uma viagem à Argentina, onde somente o que “cantar” mais argentinas será escolhido como vencedor do grande prêmio: uma viagem para a África do Sul com tudo pago.

Concursos culturais são bacanas? Lógico. Estimulam as pessoas a abusarem da criatividade para ganhar um determinado prêmio. Particularmente, acho bem mais interessante do que simplesmente sortear alguma coisa. E agora a pergunta mais importante: ela ofende os argentinos (ou melhor, as argentinas)? Também acredito que não. Mesmo que elas tenham sido colocadas como objetos de desejo, entendo mais que a campanha quis reforçar o brasileiro como “garanhão conquistador” do que as argentinas como “mulheres objeto”. Acho até que a piada maior nessa campanha é o próprio brasileiro e não os argentinos.

Não tenho uma visão apocalíptica em relação à publicidade. Sou a favor das sacadas, estratégias e piadas inteligentes. Sou a favor sempre do humor da publicidade, toda vez em que isso fizer sentido. Admito que algumas campanhas com argentinos me fazem rir sim. O problema em questão é: realmente é preciso usar os argentinos como foco principal das campanhas em época de Copa do Mundo? Você pode dizer: “Lógico, eles são nossos maiores rivais no futebol”. Ok, concordo. Mas acho que a paixão do brasileiro por futebol é muito maior do que qualquer rivalidade e isso sim devia ser alvo das campanhas dos produtos consumidos por nós, brasileiros, amantes da pelota.

Os diversos anunciantes que fizeram piadas com os hermanos saíram lucrando utilizando a imagem deles em suas campanhas? Provavelmente sim. E isso não é culpa do capitalismo selvagem das grandes corporações que só visam o lucro e blábláblá. Elas têm sucesso porque o povo gosta disso e é aí que está a raiz do problema.

O que eu vejo refletido através de “El Xavecón” é a piada meio pronta, feita só para sacanear os argentinos e mostrar que além de sermos melhores no futebol, ainda “pegamos as mulheres deles”. Observando o perfil da maioria dos brasileiros que odeiam argentinos sem nem saber a razão, foi uma ótima sacada. Dei uma lida no perfil do Xavecón no Twitter e constatei que a campanha fez um enorme sucesso. Mas será que a idéia principal da campanha reflete realmente o que nós, brasileiros, esperamos na Copa do Mundo? Isso nos identifica? Desculpe, mas isso não ME identifica nem um pouco.

Achei muito mais bacana outra ação da própria NewStyle para a Gillette onde o indivíduo que comprasse um produto da marca podia assinar um bandeirão com mensagens de estímulo para a Seleção e ainda concorria, da mesma forma, a viagens para a África do Sul além de outros prêmios como celulares. Não é uma ação engraçadinha e talvez não cative o mesmo número de pessoas que o tal Xavecón mas tem um espírito muito mais esportivo.

Para mim, Copa do Mundo sempre vai lembrar reunião com a família e os amigos, onde todos estão juntos por um só objetivo: torcer pelo Brasil. Nessa época, deixamos de lado a preferência por time X ou time Y e nos unimos esperando a vitória da nossa seleção. Podiam até secar a Argentina ou outra seleção mas não é essa a minha maior e melhor lembrança sobre Copa do Mundo.

A rivalidade discutível entre Brasil e Argentina já foi abordada diversas vezes aqui no blog. Infelizmente, ela faz parte do senso comum dos brasileiros e creio que não vai deixar de existir (pelo menos não tão cedo).

O Xavecón da Gilette definitivamente não é a campanha mais ofensiva em relação aos argentinos. Como disse anteriormente, até foi muito bem bolada. Mas serviu como ponto de partida para refletirmos se é necessário menosprezar um outro povo ou outra seleção para nos vangloriarmos. Aposto que se os argentinos fizessem a mesma campanha invertendo os papéis, os brasileiros ficariam ofendidos e concluiriam que eles menosprezam o Brasil e que nosso país não é só futebol e mulher gostosa. Ou seja: “isso é bem típico de argentino, aquele povo arrogante”.


Eu, desde que me conheço por gente, torço para o Brasil e nessa Copa não será diferente. Porém, ao invés de desejarmos mais que as outras seleções – especialmente a Argentina – se “ferrem”, vamos desejar que a seleção para qual a gente torce seja campeã por seus próprios méritos.

Por fim, deixo aqui um comercial muito bacana que sintetiza bem o que eu quis abordar durante todo o texto: é possível fazer uma campanha bem-humorada que aborda as rivalidades, quaisquer que sejam elas, sem precisar ofender um povo ou um time para isso.

Para mim, isso sim reflete o verdadeiro sentimento do que é a Copa do Mundo...

Um comentário:

  1. Achei tão bom, que tudo que eu disser será pouco.

    Destaco algo colocado, que pela primeira vez vi alguém escrever/defender em um artigo: A beleza de se torcer em uma Copa do Mundo, entre família/amigos, o lado bonito do mundial e sua essência, resgatando o romantismo do torcedor, e mais, que não é preciso torcer contra os adversários, mas o quanto é bacana torcer pelo sucesso das cores que defende.

    Como já disse, gostei de tudo - que essas campanhas chegam ser "café pequeno" perante tanta barbaridade que somos acostumados a ver, por exemplo -, mas principalmente dessa mensagem, pois é muito fácil escrever algo do tipo quando não se está em época de Copa, difícil é escrever no "calor" e na proximidade do mundial.

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